O lado B do Maletta

O lado B do Maletta

Moradores do residencial relatam como é morar em um dos pontos mais conhecidos da capital mineira

Para quem passa pela esquina entre a avenida Augusto de Lima e a rua da Bahia, na região central de Belo Horizonte, é quase impossível não perceber o frenético “entra-e-sai” a movimentar um dos principais prédios comerciais da cidade: o edifício Arcangelo Maletta. Ali, escritórios, livrarias, sebos, lanchonetes, lojas de informática e acessórios oferecem diversos serviços ao público. À noite, o local – hoje, tido como cartão-postal da capital – transforma-se em um dos redutos boêmios mais badalados da cidade.



Por concentrar eclético universo de tribos, sabores e sons, os bares e restaurantes do Maletta, localizados nas galerias térreas e pilotis, tornaram-se pontos de encontros para happy hours entre amigos, estudantes, artistas, profissionais liberais e turistas, atraídos pela peculiar gastronomia local e pela cerveja “estupidamente” gelada. Nas mesas dos tradicionais botecos, as conversas vão de simples bate-papos a resenhas futebolísticas ou questões sobre artes, música, política, literatura e cultura.

Com seus três blocos, 31 andares, 319 apartamentos, 641 salas, 74 sobrelojas e 72 lojas, porém, o Maletta não se resume ao aglomerado comercial, com opções de serviços e lazer. Por trás do balbúrdico e esfervescente cenário, o edifício também se revela um grande residencial. Seus moradores, que, por vezes, passam despercebidos, têm um estilo de vida diferenciado por viverem em um dos lugares mais famosos de BH.

As irmãs aposentadas Mônica e Darli que o digam. Elas moram no Maletta há 40 anos. A casa, de clima acolhedor e simpático, comporta mobiliário vintage e bem lustrados. A grande cristaleira e a mesa de mármore, com cadeiras decoradas e aparadores repletos de samambaias nos corredores, tornam o ambiente ainda mais agradável. Nas paredes, quadros sacros com a imagem de Jesus Cristo expressam a fé e a religiosidade das senhoras. Quanto ao relacionamento com os vizinhos, ambas garantem manter boas amizades, inclusive, com os proprietários das lojas. Às vezes, até almoçam fiado nos restaurantes.

Embora as irmãs estejam bem inseridas no círculo social do prédio, Mônica destaca que, apesar de sua popularidade, o edifício vive “altos e baixos”. “O ambiente já foi mais tranquilo. Hoje, é bem conturbado”, analisa. A irmã Darli também reclama da perturbação vinda de bares e restaurantes, principalmente, nos fins de semana. “É impossível ter tranquilidade no apartamento”, garante.

Realmente, nem tudo no Maletta são flores. De estrutura antiga e adepto de poucas modernidades, o edifício conta com pouca iluminação e vive em “estado de descaso”. As escadas rolantes não funcionam, o piso, de estilo arcaico, revela-se completamente manchado, a portaria foi danificada por pichações e as grades, velhas e enferrujadas, denunciam as intempéries do tempo e a necessidade de reforma geral.

Para além dos problemas estruturais, Mônica reivindica melhor segurança geral, pois muita gente tem acesso livre às dependências do edifício. Em contraste a tal situação, o alto e amplo “varandão” dos bares e restaurantes oferece uma visão digna de ser contemplada. Bem à vista, está o Centro de Referência da Moda (CRModa), – hoje Museu da Moda de Belo Horizonte (Mumo) – construído em 1914, no estilo neogótico manuelino.

Comodidade

No 11º andar, vivem os estudantes Felipe Colombari e Victor Lúcio. O apartamento não é espaçoso e tem piso de madeira e portas antigas, algumas das quais se desfazem. A decisão dos jovens de morar ali, juntos, deu-se por escolha própria, o que não significa que tenha sido fácil. Natural de Ponte Nova, Felipe, de 26 anos, ficou um tempo no bairro Santa Tereza, na região Leste de BH. Em 2014, optou pela área central devido ao acesso à faculdade, que fica no bairro Mangabeiras. Formado em Artes Plásticas pela Escola Guinard, o rapaz afirma que o novo endereço atende às suas expectativas no que diz respeito à comodidade.

Segundo ele, a rotatividade de moradores é da rotina do Maletta. “Antes do Vitor, já dividi o apartamento com outras duas pessoas. É assim com a maioria do pessoal daqui. Todos os dias, um novo morador pode surgir”, explica, ao lembrar que grande parte dos apartamentos são alugados para condôminos jovens.

Ao contrário de Mônica e Darli, Felipe diz que curte o frenesi do edifício. “Gosto do ambiente e acho legal o fato de o lugar não parar, nem mesmo, durante a madrugada”, conta. A seu ver, os vizinhos não são muito “amigáveis”, sendo que já presenciou brigas e confusões. “Apesar de a maioria da vizinhança ser mal – educada, procuro manter bom convívio com todos”, ressalta.

O artista plástico aproveita o fácil acesso ao Centro para ir a muitos lugares a pé. Por ironia do destino (ou por motivos secundários), Felipe não freqüenta, assiduamente, os bares do edifício. “Sinto que o Maletta é uma extensão do quintal da minha casa, cheio de penetras, mas cada um com seu estilo”, brinca.

Charme histórico

Para manter a “boa ordem” do imóvel, em nome do bem-estar coletivo, é preciso que alguém, bastante responsável, zele por isso. No Maletta, tal função é do síndico Amauri Batista dos Reis, que mora no lugar há mais de 30 anos. Ele se encarrega de cuidar dos problemas corriqueiros do local, além de fazer a entrega das correspondências. Para Reis, o edifício é um celeiro de misturas culturais. “Aqui, sempre encontramos novos casos, rostos e muita diversidade”, pontua. Além disso, o síndico se declara um “apaixonado” pelo meio em que vive e coordena. “É uma vida na cidade. É completo e charmoso”, caracteriza.

Hoje, quem vê o imponente Maletta como importante centro comercial e cultural, fica difícil, por vezes, lembrar-se dos tempos em que o prédio não tinha boa fama e era conhecido como “inferninho”, por seu caráter boêmio e um dos focos de resistência contra à ditadura militar. Morar no Maletta, naquela época, parecia sinônimo de aventura. Muitos falam, ainda, em ato de coragem ou em falta de opção. O fato é que, nos dias de hoje, o cenário está mudado: o local abriga moradores que se enchem de orgulho por viver em um condomínio que, além de fazer parte da história de várias gerações, sabe acolher a todos, não apenas com “breja” gelada e petiscos saborosos, mas também por meio de suas grandiosas memórias, “temperadas” à típica hospitalidade belo-horizontina.


*Matéria produzida em maio de 2016, com parcerias de Janaína Simão, Gabriel Ferreira, Wiver Andrade, André Gustavo e Thiago Marques durante o curso de jornalismo no Centro Universitário de Belo Horizonte (Unibh). 

Comentários